Olá, esse é o primeiro texto de uma série de conteúdos que vou escrever sobre a neurociência cognitiva, um assunto que gosto muito e venho me aprofundando desde passei pela faculdade de psicologia!
Para começar, quero te explicar o que é cognição. Basicamente, são as funções psíquicas superiores, como a linguagem, memória, atenção, percepção visual, espacial, entre outros.
Entre os domínios cognitivos, talvez o que mais provoque o interesse é a memória! No entanto, entender o funcionamento da memória não é uma tarefa simples. Só para você uma ideia, existem pelo menos 4 tipos de memória. Cada um deles é processado por redes próprias de neurônios no cérebro e cada uma funciona de forma diferente. Cada tipo de memória recebeu um nome: memória operacional, semântica, episódica e procedural.
Memória operacional (ou memória de curto prazo)
A memória operacional também pode ser chamada de memória de curto prazo. Ela dura segundos a minutos e logo é perdida, mas faz parte de praticamente todos os processos mentais!
É utilizada pela central executiva do cérebro, que é responsável por gerenciar toda a informação para tomar decisões corretas.
Por exemplo: para a dona Maria preparar um bolo para os seus netos, ela precisa verificar a receita, fazer a compra dos ingredientes corretos, decidir qual deles é melhor e mais barato, utilizar os ingredientes na ordem correta e realizar os preparos conforme o descrito na receita. Além disso, como parte do planejamento, ela precisa tomar a decisão do melhor dia para fazer o bolo, para bater certinho com a chegada dos netos.
Além disso, a central executiva gerencia o foco de atenção entre as coisas permitindo, por exemplo, que, enquanto prepara o bolo, essa simpática senhora converse com a filha por telefone ou pague uma conta através do celular, mas volte às suas tarefas logo depois.
Mas onde entra a memória operacional nisso tudo? A central executiva precisa manter informações online para realizar as tarefas! Fazendo um paralelo com a informática, a memória de curto prazo segue o mesmo princípio da memória RAM do computador. Ela é usada como bloco de notas mental. Essa informação pode ser guardada como uma sequência relativamente curta de palavras, números, ações, ideias ou mesmo imagens mentais, mas logo depois é jogada fora.
Um exemplo do uso da memória operacional é pelo que chamamos de alça fonológica, que é uma sequência de palavras, números ou ideias que podem ser mantidos na mente por períodos curtos. A quantidade de elementos que uma pessoa normal consegue manter na mente é 7. É até por isso que antigamente os números de telefone continham 7 dígitos. Algumas pessoas são capazes de reter maior e outras menor quantidade de elementos na alça fonológica.
Usamos a memória de curto prazo o tempo inteiro em nossas vidas. Sem ela, não conseguiríamos entender outras pessoas falando, pois esqueceríamos o conteúdo das frases, não conseguiríamos pensar e nem raciocinar, pois não seria possível concatenar os pensamentos e seria muito difícil guardar lembranças de fatos.
As memórias de longo prazo
As memórias semântica, episódica e a procedural são consideradas tipos de memória de longo prazo.
Memória semântica
A memória semântica nada mais é do que o nosso conhecimento geral sobre tudo o que existe. Tudo o que vivenciamos e conhecemos ao longo de nossas vidas acaba se tornando de algum modo parte do nosso repertório de conhecimentos.
Por exemplo. Se eu te pedir para imaginar um cachorro, imediatamente você formará uma imagem mental de um cachorro. Você saberá me dizer qual som que ele faz, como ele se comporta, onde normalmente pode ser encontrado e até o que você sente em relação a essa espécie. Poderá falar das diversas raças, seus tamanhos e cores mais comuns. Poderíamos aplicar esse mesmo raciocínio para virtualmente qualquer coisa!
O conhecimento sobre as coisas está distribuído por redes de neurônios de várias modalidades sensoriais, como visão, audição, olfato, tato, paladar e, também, de estados internos, como pensamentos e emoções.
Vou voltar ao exemplo de antes: a informação que temos sobre um cachorro não se localiza na “área cerebral do cachorro”, mas vem das partes do cérebro responsáveis pelo processamento de cada modalidade sensorial: a imagem do cachorro é processada em uma área visual, o latido em uma área auditiva e assim sucessivamente. O que torna real o seu conhecimento sobre melhor amigo do homem é que neurônios dessas muitas áreas cerebrais se conectam em uma rede!
Agora imagine isso para cada pequena coisa que você sabe do mundo. Cada uma tem uma rede própria, que muda continuamente, à medida que temos novas experiências, fazendo de nós, verdadeiramente, metamorfoses ambulantes (o que será que Raul diria se ouvisse isso?).
Contudo, uma coisa que a memória semântica não faz é dizer quando ou onde: você simplesmente sabe que o cachorro é cachorro, mas não vai conseguir se lembrar de todas as suas experiências com cachorros. Por isso, dizemos que a memória semântica é atemporal.
Obviamente, é até possível que você venha a se lembrar da primeira vez que foi apresentado a um desses bonitinhos, mas você não vai se lembrar da fonte do conhecimento original na maioria das vezes. Quem diz quando e onde as coisas aconteceram é o tipo de memória mais badalado: a memória episódica.
Memória episódica
A memória episódica é aquela relacionada a fatos, como, por exemplo, o que fizemos ontem no almoço ou com que roupa estávamos no último aniversário. Depende de um conjunto de estruturas cerebrais chamado de sistema límbico e, mais especificamente, um órgão pequenininho no meio do cérebro chamado hipocampo.
O sistema límbico é um circuito que recebe incansavelmente informações vindas de todo o cérebro. O hipocampo é parte desse circuito e funciona como um processador e gravador, que ordena todas as experiências de acordo com o momento e o lugar em que ocorreram. Essas informações são consolidadas em outras estruturas cerebrais, em um processo que demora de semanas a meses.
É graças ao hipocampo que percebemos a continuidade do tempo e não somente um mosaico de informações disformes vindas de todos os lados. Isso pode ser um pouco difícil de compreender, mas felizmente, o filme “Meu Pai”, de 2021, estrelado por Anthony Hopkins, capta a essência do que ocorreria na mente de uma pessoa que perde a função do hipocampo (como acontece na Doença de Alzheimer).
Pessoas que perderam os hipocampos em cirurgia, por exemplo, não conseguem se lembrar de fatos novos. Contudo, têm poucos problemas com o conhecimento geral sobre as coisas ou para lembrar-se de histórias que ocorreram décadas antes. Isso é parecido com o que acontece em uma parte portadores da doença de Alzheimer, especialmente nas fases iniciais.
Memória procedural
Agora nos resta a memória procedural. Ela é um tipo de memória para ações. Por exemplo, a habilidade de andar de bicicleta ou tocar um instrumento podem ser entendidas como uma memória procedural. Observe que as pessoas que dominam essas habilidades não conseguem descrever o que exatamente é necessário para executá-las. Por isso, uma outra forma de chamar a memória procedural é memória não-declarativa.
Concluindo
Esse assunto foi mais denso do que eu costumo normalmente abordar nos posts aqui do site. Contudo, são a base para compreendemos os processos mentais e até entender como você potencializar as suas funções cognitivas. Futuramente, se houver interesse de você e dos outros leitores, desenvolverei melhor esses assuntos.
Um forte abraço e até mais!